Por MMendes
Iniciada a audiência, foram apregoadas as partes. Adentraram a autora e o reclamado, que sentaram-se à mesa passando a fitar o Juiz. O juiz passou a relatar o litígio, tornando pública a querela.
A autora, alegando estar trabalhando para o reclamado, pretendia ver declarado o vínculo empregatício com o pagamento das verbas contratuais. O réu, um desafortunado farmacêutico, contestava rubrica por rubrica. O juiz percebeu que os litigantes não se olhavam e cada qual permanecia impávido, vazios de emoção.
Buscando a conciliação, perguntou às partes se havia possibilidade de acordo. Foi então, que para sua surpresa, soube que eram mãe e filho. Asseverou à mãe:
- Como podes litigar com tua própria carne, levando teu filho às barras de um Tribunal?
Ao mesmo tempo, voltando-se para o filho disse:
- O que esperas? Perguntes logo à tua mãe o que que ela quer para por fim ao litígio. Afinal de contas, deves a ela a própria vida.
Continuou o Juiz:
- Como podeis esperar de mim a composição, se a semente da discórdia provém de vossos corações?
O filho atendendo aos apelos do juiz, perguntou à mãe o que ela queria para por fim ao litígio. A mãe com sua fisionomia carrancuda, não fitava nem o filho nem o juiz.
Antevendo as dificuldades que a causa lhe traria, com sua voz ponderada e serena, aproveitando o silêncio das partes, foi astuciosamente dizendo:
- Tu filho e reclamado, não percebes qual a verdadeira intenção de tua mãe?
Percebas tu, que ela quer na realidade somente um momento para dialogar contigo. Para que reconheças no fundo do teu coração, a ajuda que te deu em teus negócios, sem nada exigir.
Que tu, ocupado demais com teus negócios, a tratava apenas como uma simples empregada, esquecendo-te de despender o afeto que costumavas dar na infância.
O Juiz era insistente em sua proposta conciliatória e prosseguia:
- Na realidade, ela não pretende a declaração do vínculo empregatício, mas dar-te apenas uma lição, das quais somente o sábio e verdadeiro amor de uma mãe poderia ministrar.
O juiz sabia que, no fundo, essa não era a realidade aparente, mas conhecendo profundamente os mistérios do coração humano, intuía o porquê da discórdia entre mãe e filho, incitando o acordo entre as partes. Continuava o juiz:
- Vindicou ver-se reconhecida empregada para lembrar-te de que a tratas como uma mera operária, esquecendo-te de com ela dialogar, abraçá-la, beijá-la na face, gestos do carinho de um verdadeiro filho. Eu chego a imaginar que dinheiro mesmo ela nada quer. Sempre esteve ao teu lado, confortada pelo próprio amor maternal. De nada mais precisa, a não ser ter o filho de volta.
Neste instante, os olhos da mãe e do filho voltaram-se atentamente para o juiz, que apercebendo-se disso, disse ao filho:
- Levanta-te de tua cadeira e corras abraçar tua mãe.
As incisivas do juiz arranhavam profundamente a consciência dos litigantes. Envolvido com as palavras do magistrado, o filho levantou-se de sua cadeira e dirigiu-se ao outro lado da mesa, buscando o colo da mãe, que como verdadeira e boa mãe, o abraçou vigorosamente.
O discurso obtivera êxito e a reclamante e o reclamado compuseram-se, nos termos da proposta do magistrado. A mãe recebendo o filho de volta e o filho obrigando-se a não mais esquecer-se de dar amor à mãe.
Naquele mesmo momento, assinaram o termo de acordo, e, por uma coincidência do destino, a caneta por eles utilizada era de tinta vermelha, quiçá simbolizando o sangue de seus corações.
Esta estória lembra-nos das inúmeras querelas submetidas à Justiça do Trabalho. Lembra-nos, ao mesmo tempo, que todos nós somos irmãos, filhos de um mesmo Pai Criador, sem distinção de classe social.
Em nossa estória, a mãe simboliza os inúmeros empregados que figuram nas reclamatórias que assolam nosso país. O filho representa os empregadores chamados à Justiça obreira. Serve para refletirmos que o empregado sem o empregador não tem trabalho e o empregador sem o trabalhador é improdutivo. São na escala produtiva, um só corpo, uma só carne.
A verdadeira intenção da mãe em ser reconhecida pelo filho, chama-nos a atenção de que o trabalhador almeja antes de tudo, que seu trabalho seja reconhecido como expressão de solidariedade não de inferioridade. O reconhecimento do direito a uma igualdade proporcional que lhe confira na divisão dos bens necessários á vida, lazer, descanso, trabalho, moradia, educação e alimentação.
O juiz simbolizando Deus, é o instrumento de conciliação dos povos, que não se deixa iludir pelas aparências, mas enxerga os pensamentos mais profundos, lendo-os nas entrelinhas dos corações. Em sua sabedoria, busca a conciliação em primeiro lugar, ensinando aos litigantes o caminho da composição.
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