Por MMendes
Não guardamos uma história linear. O consciente registra algumas lembranças separadas umas das outras por inúmeras lacunas. Sob esse ponto de vista ,a vida é um livro de contos independentes.Não mais que fragmentos de memória. Juntamos os cacos das memórias e montamos naquele momento nossa estória, tal qual um diretor que corta cenas do rolo principal e cola os pedaços, os seguimentos, criando o filme de nossas vidas. O "make in off " jogamos no inconsciente.
A primeira vez que me recordo de ter colocado um cigarro na boca, foi aos quatro anos de idade. Brincava com meu irmão na esquina e achamos uma bitucas apagadas no chão. Brincávamos de fumante quando meu pai apareceu do nada. Levamos a maior bronca, jogamos aquelas bitucas bem longe e voltamos ligeiro para casa. Noutra ocasião ,meu tio fumava no quarto com a luz apagada. Para meu entretenimento, brincava com a brasa do cigarro desenhando círculos vermelhos.
Nos recortes da memória, talvez essas sejam as seqüências explicativas do vício. O cigarro era apenas uma brincadeira, umas baforadas de fumaça, até que me tornei dependente da nicotina. O cigarro acompanhava os grandes momentos da vida: a felicidade, a tristeza, o namoro, o barzinho, as reuniões, viagens.
Depois de uns oito anos resolvi parar. A mesma mídia que propagava o gosto pelo cigarro, agora o combatia. Em 1982 eu trabalhava no banco. Era proibido fumar no recinto e já havia um fumódromo. Campanhas anti-tabagistas mostravam uma carinha triste de um lado, fumando um cigarro, do outro, uma cara alegre com uma margarida na boca. Bolei um plano. Fumaria dois cigarros por dia, um às três horas da tarde e outro às oito horas da noite. Não fumaria de manhã porque era o horário que cigarro causava mais malefício.
No primeiro dia, a fissura. Quando foi chegando a hora do primeiro cigarro o tempo praticamente congelou, os segundos eram horas e as horas eram milênios. Cinco minutos antes da três coloquei o cigarro entre os dedos e fiquei com o isqueiro na outra mão, com o pulso em posição de ver as horas. Trinta segundos, vinte segundos, dez segundos e fogo. A primeira tragada consumiu o cigarro até o meio, enchi os pulmões de fumaça e prendi a respiração. Quando soltei o ar, quase não saiu fumaça. Ah! Que alívio! É que meu organismo estava precisando muito daquela poluição para sentir-se vivo. Não é incrível nossa capacidade de adaptação? Tempos atrás encontraram um jacaré vivendo nas águas do Rio Tietê !
Quando achei que estava no ponto de largar, voltei a fumar desesperadamente. Estava na praia com meus cunhados, de férias . Choveu vinte dias sem parar e passávamos o tempo jogando baralho, fumando e bebendo. Comprei um pacote de cigarros e fumei o primeiro maço em menos de uma hora.
Quando temos tudo o que queremos, acabamos enjoando e querendo coisas diferentes. Acho que foi por isso que, tempos depois, guardei meu maço numa gaveta do criado-mudo. Disse para mim mesmo que o maço estava ali, ao alcance da mão. Se quisesse poderia fumar todos os cigarros de uma só vez. Não fumei mais e aqueles cigarros foram amarelados pelo tempo. Anos depois coloquei fogo neles, até que se tornassem cinzas do passado, levadas ao vento.
Aprendi uma grande lição. Não se pode apagar o passado, ele é parte permanente de nossa vida. É por isso que muito de vez em quando, minhas desbotadas memórias, ainda que em cinzas, me fazem sentir uma leve saudade de fumar.
Querido Marco,vc não só é um artista,vc é um ser humano maravilhoso,que eu te admiro muito,apesar de ser muito mais novo do que eu ,nunca quero me esquecer,que com vc estou aprendendo coisas divinas,continue ,vc merece tudo de bom.Bjos tia Claudia.
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