segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Mais só que só

MAIS SÓ QUE SÓ

Quando me abandonei,
Fui assim sem dizer adeus.
Nenhum recado deixei.
Para onde? Nem eu sei.

Quando me abandonei,
Fui para não mais voltar.
Não suportava a relação,
não podia mais esperar.

Quando me abandonei,
Eu me sentia muito só.
Fui e não deixei notícias,
ficando mais só que só.

Não cheguei a lugar algum,
vagando por sobre as horas,
no movimento dos ponteiros,
quando vejo estou de volta.

domingo, 24 de julho de 2011

Pai e Filha

PAI E FILHA
*MMendes

Estou contigo, no recôndito da tua tristeza.
Estou aqui, na espera paciente que embeleza
a alegria que partilharemos juntos, depois.
Estou contigo, no sublime perfume de tua pele.
Estou presente, como brisa que acaricia teu rosto,
secando as lágrimas, tantas já derramadas.
Estou aqui, bem aqui, ao alcance de um pensamento.
Em meus braços poderás descansar confiante.
Se não puderes andar, irei ao teu encontro.
Se nada disser, eu o saberei nas batidas do teu coração,
no som de passos pesarosos ou no silêncio eloqüente.
Estou contigo, unido só como pai e filha podem estar,
sofrendo, chorando, lutando e vencendo contigo.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

TATUAGEM NA ALMA


TATUAGEM NA ALMA

Em minh'alma está tatuado teu nome,
para eu nunca possa aparte-me de ti.
Fotografei tua face em minha memória,
nunca esquecerei de seu doce sorriso.

Conto os anos da vida em segundos,
para saborear cada momento vivido.
Aprendi a somar, multiplicar e dividir.
Subtrair? Só as diferenças entre nós.

Nunca irei sem deixar-te meu coração,
nem ficarei sem pedir-te que me leves.
Quando formos partir que seja juntos,
um mesmo caminho, o mesmo destino.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

DIA DOS NAMORADOS


DIA DOS NAMORADOS

* Por MMendes

Naquele escurinho premeditado, um casalzinho namorava no interior do veículo. Tentativa de um beijo aqui, de um abraço ali:

- Cuidado com meu cabelo Jorge Antônio. Você está me desarrumando toda!

- Jorge Antônio, amanhã comemora-remos um ano de namoro. Qual vai ser meu presente?

- Já sei. Eu quero uma pulseira de brilhantes de pedras selenitas...não, não, acho melhor um par de brincos de brilhantes marcianos ou seria melhor um belo vestido modelável supercondutor de energia da e-tecidos, para carregar meus “gadgets”? Ah! Jorge Antônio, o que é que eu vou ganhar?

- Amanhã vou acordar cedinho e vou às compras. Já me vejo glamurosa pelas calçadas deslizantes do shopping. Depois vou para o SPA...uma sessão de massagens relaxantes, manicura a laser, determatologia rejuvenescedora, nanolipoaspiração instantânea e, por fim, cabeleireiro com tintura de fios fotográficos. De noite vamos a um bom restante comemorar nosso primeiro ano de namoro. Minhas amigas vão remoer de inveja.

- Ah! Jorge Antônio, não me mate de curiosidade. Qual vai ser o meu presente?

Enquanto Manoela falava sem parar, Jorge Antônio cruzava os braços olhando para o vazio.

- Jorge Antônio! Você nem prestou atenção ao que eu disse. Deu um beijinho no namorado, abriu a porta, saiu do automóvel de flutuação antigravitacional e subiu a escada rolante de sua casa.

No dia seguinte, logo pela manhã o videofone toca. Manoela atende e fica atônita com a notícia:

- O Jorge Antônio envolveu-se em um acidente? O corpo está no crematório? Pegar os restos viventes? Já estou indo.

Manoela é avisada de um gravíssimo acidente envolvendo seu namorado. Ele teve o corpo mutilado de forma irrecuperável, ou quase. Depois de extraído o código do DNA, seu corpo foi cremado. Diferentemente da cremação de nossa época, em que os parentes recebem uma urna com as cinzas do morto, a moça assistiu a cremação e saiu de lá com o repositório cerebral de seu namorado. O cérebro de Jorge Antônio boiava dentro do repositório, olhos atentos. Pareciam olhos de siri observando mudo a tudo o que se passava.

No tempo de Jorge Antônio a medicina avançou ao ponto de que, mesmo sem um corpo seja possível uma perfeita preservação da mente, até que se produza um novo corpo. Técnicas inovadoras de reprodução clonada de crescimento acelerado permitem que em poucos meses seja produzido um novo corpo, idêntico ao anterior o qual receberá a mente. Enquanto isso, a mente fica armazenada no cérebro acondicionado num repositório cerebral oxigenado, esperando o novo corpo para ser implantada. Para que a mente não caia em estado depressivo, os cientistas extraem os olhos e ouvidos do paciente juntamente com o cérebro, conectados por meio do nervo ótico e auditivo respectivamente. Não fosse essa técnica revolucionária, a mente ficaria vagando numa espécie de limbo, em completa escuridão e solidão, desprovida de todos os sentidos da percepção.

Em 2100 a técnica da preservação da mente será coisa muito comum, mas para os viventes de nossa época atual ver uma coisa dessas é muito bizarro. Poderíamos dizer que a mente imersa no repositório, assemelha-se a um “grande molusco” com antenas, um tipo de caracol sem concha, vivendo dentro de um aquário.

Naquela manhã fatídica, Manoela não pode ir às compras, nem ao SPA ou ao cabeleireiro e, ainda por cima, ganhou o cérebro de Jorge Antônio como presente de um ano de namoro. Mesmo assim, a moça prossegue no cumprimento dos itens planejados. Decide levar o namorado, ou o que sobrou dele, para um jantar romântico.

Depois de horas folheando os vestidos no guarda-roupa tecnológico, escolheu um vestido de grife, um sapato de salto da Louis Future, improvisou o cabelo na impressora pessoal de penteados, maquiou-se, empetecou-se com jóias, tomou o repositório cerebral de Jorge Antônio nos braços e saiu imponente a caminho do restaurante.

Chegando lá foi atendida pelo recepcionista cibernético. Manoela logo foi reconhecida pelo robô, que a identificou pelas ondas positrônicas emitidas pelo “chip” implantado em seu braço direito.

- Seja bem vinda senhoria Manoela. Disse o robô com seu sotaque enlatado. Enfim, o futuro resolverá o problema do atendimento ao cliente. Evoluiremos para descobrir que seremos mais bem atendidos por máquinas que por pessoas. O bom atendimento compensará, de certa forma, o desemprego. Programados para serem amáveis com os clientes, os robôs terão como característica marcante a presteza, a simpatia e a gentileza.

Manoela nem se deu ao trabalho de agradecer o amável serviçal robótico. Afinal, era humana. Ela o considerava um ser inferior, um mero objeto, uma simples máquina. Com certeza ele seria descartado, substituído daí alguns anos por outro mais avançado.

- Tá vendo o que você foi arrumar Jorge Antônio. É incapaz de puxar a cadeira para mim. Deixei de ir ao SPA, ao cabeleireiro e de me produzir por sua culpa. Meu cabelo está péssimo, nem tive tempo de me arrumar direito. Agora fica ai me olhando com esses olhinhos de piedade.

Nesse momento aparece uma das frívolas amigas de Manoela:

- Oi querida, como tem passado?

- Olá Jorge Antônio, fiquei sabendo do acidente. Mas, não se preocupe, em pouco tempo terá um corpinho novo em folha.

- Querida você não sabe da última... e blá, blá, blá, blá, blá, blá. Você viu o cabelo da Matilde, que horror. E mais blá, blá, blá, blá, blá, blá.

Jorge Antônio ficou ali, prisioneiro ouvindo aquele monte de futilidade. Chegou a pensar que seria melhor ter morrido no acidente ou pelo menos perdido as orelhas para não escutar tanta banalidade. Ele queria curtir a noite, falar de amor e fazer planos para o futuro. Procurava uma mulher sincera, amável e amiga, embora em primeiro lugar estivesse a qualidade de perfeita amante. Procurava expressar isso com os olhos e até abanava as orelhas. Todavia, Manoela estava perdida num mundo de luxuria e consumo, não poderia compreendê-lo.

-Tchau querida, nos vemos depois. “Bye bye” Jorge Antônio, até a próxima encarnação.

Enquanto a amiga de Manoela passava, os olhos de Jorge Antônio acompanharam aquele fabuloso rebolado, cadenciado por grossas pernas, sustentado num par de saltos.

- Jorge Antônio, seu cretino. Não tem vergonha? Ficar paquerando minha amiga na minha cara? Tenho vontade de te esganar.

Furiosa, Manoela estrangula a mangueira do oxigenador do repositório cerebral, asfixiando Jorge Antônio. Mudo, com os olhos esbugalhados, pediria socorro se pudesse. A falta de oxigenação provocou um aumento de gases do repositório fazendo subir a pressão. Lançado pelo orifício da válvula de segurança, esguichou um jato aquoso do líquido de conservação do interior do repositório acertando Manoela, que ficou completamente encharcada.

- Seu mal educado. Para mim basta. Eu te odeio seu...seu...seu cérebro machista.

Jogando o guardanapo na mesa, Manoela saiu do restaurante pisando duro, para nunca mais voltar. Estava tudo acabado. É mesmo muito difícil ver o que se passa na alma das pessoas. Jorge Antônio buscava um grande amor. Ficou ali sobre a mesa, mudo, solitário, pensativo. Quase morreu para aprender a lição. Desprovido de seu corpo, prometeu que escolheria sua nova namorada pelas qualidades internas, não só pelos atributos do físico feminino.

Um pouco antes de o restaurante fechar as portas, os funcionários começaram a arrumar mesas e cadeiras. Sem premeditar, um garçom colocou o repositório de Jorge Antônio em frente a outro repositório cerebral, também abandonado numa outra mesa. Na verdade o trabalhador apenas queria organizar o lugar antes de fechar, mas foi como se o destino guiasse seus braços.

Os empregados saíram apagando as luzes e fechando as portas. Na penumbra os dois desconhecidos guardados em seus repositórios ficaram um de frente para o outro. Admiravam-se como almas gêmeas. Passaram a noite entreolhando-se sem nenhuma palavra. Pareciam trocar pensamentos, um mirando o outro, como se quisessem entrar um no outro pela pupila dos olhos. Se alguém pudesse vê-los teria a nítida impressão de verem dois seres apaixonados, uma paixão platônica.

No dia seguinte, o dono do restaurante mandou devolver cada repositório à sua respectiva família. Passado alguns meses, Jorge Antônio ganhou seu novo corpo clonado. Restabeleceu-se por completo e retomou sua vida. Contudo, o olhar da misteriosa companhia ficou guardado em sua memória. Não sabia quem ela era ou onde morava. Ele caminhava pelas ruas da cidade procurando aquele olhar nos olhos das pessoas que cruzavam seu caminho, na esperança de um dia reencontrar sua cara metade.

sábado, 4 de junho de 2011

A MOSCA E A ARANHA

A MOSCA E A ARANHA


Por MMendes







Saindo em disparada rumo às nuvens, recolheu as asas deixando que a gravidade drenasse lentamente seu movimento até que parou completamente no ar, deu uma guinada e começou a cair vagarosamente, como uma cabeça de martelo lançada ao ar. Quase pareceu que se espatifaria no chão, mas no momento certo, habilidosamente abriu suas asas, recuperou o vôo desenvolvendo elegantemente uma curva no espaço. Em seguida manobrou em “looping” desenhando três círculos perfeitos, manobra acrobática que deixaria qualquer um completamente desorientado, mas não ela, a fabulosa mosca.

E lá vai novamente conduzindo seu corpo ao estol de maneira assimétrica. Guinava para o lado gerando uma trajetória em parafuso, como um avião abatido em combate. Mas, ao contrário, o inseto voador nivelou-se ao solo, ganhou altura e desapareceu no horizonte daquela tarde avermelhada de primavera.

Apaixonada por aviação passava horas e horas admirando as acrobacias dos cadetes. Expectadora assídua, pousava todos os dias sobre a mesma folha de uma palmeira no jardim da Força Aérea. Sem que a mosca notasse, não muito longe, uma aranha a espreitava todos os dias, fitando-a veementemente com seus oito olhos bem abertos. Determinado dia, antes da chegada da mosca, a aranha teceu uma fina teia, quase invisível, no exato lugar onde a mosca pousaria.

No dia seguinte, no horário de sempre, lá vinha a mosca desenvolvendo um vôo de costas, seguido de um rolamento lateral em torno do eixo longitudinal do corpo. Quando estava para pousar, sentiu prender-se no ar. Era como se uma mão invisível a tivesse capturado. Bateu as asas, esperneou, contorceu-se, mas nada de escapar. Havia sido apanhada pela teia.

Os movimentos da mosca balançaram a teia e o aracnídeo que aguardava num canto, iniciou uma lenta caminhada. Pé ante pé, desviava-se dos pingos de cola que pontilhavam cada fio de sua armadilha. A mosca apavorada observava cada movimento de sua predadora. Sem poder escapar pensou: “-É derradeiramente meu fim”. A aranha era enorme perto da pequena mosca.

Chegando bem perto, com seus olhos iridescentes como bolhas de sabão, fitou a pobrezinha por um instante. Tomou a mosca em seus tentáculos cabeludos e começou enrolá-la, prendendo-a num novelo de seda. Depois amarrou o casulo firmemente num dos cantos da teia, saindo vagarosamente.

A mosca completamente imobilizada pensou: “-Me amarrou para devorar-me mais tarde. Quem sabe na hora do almoço? Eu que amo tanto a liberdade do céu, vou acabar morrendo aqui, presa, amarrada, inerte. Que triste fim para uma mosca aviadora”, lamentava. Chegou a hora do almoço, passou a hora do jantar, caiu a noite e nada da aranha aparecer. A mosca não cochilou um só momento, com medo de ser devorada dormindo.

Chegou o dia seguinte, pouco antes dos aviões iniciarem a decolagem, a aranha reapareceu, levantou seus tentáculos apanhando o casulo. Nesse momento a mosca gritou: “-É agora, guardou-me para o café da manhã. Socorro, socorro!”. Misteriosamente a aranha carregou delicadamente o casulo até um local de privilegiada vista das acrobacias aéreas. Em seguida retirou-se. Com o coração acelerado, a mosca quase nem conseguiu prestar atenção aos aviões. Depois de um tempo a aranha voltou, recolheu o casulo e prendeu-o novamente no mesmo lugar de antes, retirando-se em seguida.

A mosca não compreendia quais eram as intenções da aranha e não sabia o que pensar: “-O que pretende a aranha? Comer-me enquanto me distraio com os aviões? Ela quer sugar meu néctar enquanto me alegro? Será que o néctar da gente é mais gostoso quando estamos alegres?”. Entardeceu, passou a noite e nada da aranha aparecer. A mosca prisioneira estava entristecida com sua sorte. No dia seguinte, antes da decolagem dos aviões, surge novamente a dominadora, repetindo tudo o que havia feito antes. Mas o inseto prisioneiro sequer prestava atenção aos aviões, cabisbaixo, aborrecido. A vida perdera o sentido.Depois de um tempo, a aranha recolheu o casulo novamente, repetindo todo o ritual. No quarto dia tudo igual.

Em completa solidão e profunda melancolia a mosca pensava na morte e todas as conquistas de vida deixadas para trás, a fama, o chapeuzinho de aviador, os lugares que não conheceu, os prazeres que não viveu.

- Quem sabe ao menos um sopro de vida subirá às alturas, deixando meu corpo sucumbir no fundo da terra, ou na barriga da aranha? Tudo é vaidade, tudo é vaidade - Lamentava a mosca. Nunca havia pensado na morte. A vida havia sido prazerosa demais, por isso nunca sentiu necessidade de uma oração sequer, uma conversa com Deus. Mas, naquela hora sentia-se impelida e ensaiou uma pequena oração, embora sem aquela retórica toda.

- Oh meu Deus, não me importo de morrer, mas se for possível, eu prefiro não estar por perto quando isso ocorrer.

Por que somos todos assim? Passamos a vida construindo um império e no instante final percebemos que só temos um castelo de areia? Corremos atrás da fama, da posição social e da riqueza e no final descobrimos que acumulamos apenas vaidade dissipada pelo hálito da morte?

No quinto dia, esperando que a aranha aparecesse no momento da decolagem dos aviões, a aranha não veio: “- Tem alguma coisa estranha no ar. Cadê a aranha?”. Antes mesmo de consumar seus pensamentos, sentiu um bafo quente na nuca e inesperadamente seu corpo girou de forma violenta. Parou olho a olho com a aranha que lhe deu um enorme beijo na boca.

- Meu amor! Clamou a aranha aos prantos. - Te amo desde o primeiro momento que o vi. Quis vê-lo e abraçá-lo todos os dias de minha vida. Temia que um dia me abandonasse, nunca mais aparecesse, despedaçando meu coração. Mas agora compreendi, prender-te foi um grande erro. Se não fores feliz, igualmente eu não serei, pois esse é o destino daqueles que amam. Os verdadeiros amantes compartilham as alegrias e as tristezas. Sei que para ti a felicidade esta em voar livremente pelo céu e que não serias feliz aqui.

Aos prantos a aranha começou a desatar as linhas do novelo libertando a mosca boquiaberta. Livre, saiu em vôo disparado dando mil e uma cambalhotas e rodopios pelo ar, enquanto a aranha derramava lágrimas de amor que decoravam teia. A mosca nunca mais voltou. Mas, a aranha não sofreu, apenas amou e amou muito. Aprendeu que amar não é sinônimo de prisão, o verdadeiro amor é libertador.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

BOM DIA AMIGO

BOM DIA AMIGO


*Por Marco Mendes


Num dia desses em que nos sentimos vazios de amor e abandonados, decidi caminhar num parque próximo de casa. Tirei o terno e a gravata, vesti um velho tênis, bermuda e camiseta, coloquei um boné e sai de casa em busca de alguma coisa, um motivo qualquer. Era de manhã, o dia estava claro, repleto de nuvens brancas de outono pastando como carneiros no céu.


Com a alma em frangalhos ingressei no parque pelos portões laterais que dão para um belo lago. Iniciei a caminhada no sentido anti-horário, contrário ao fluxo de pessoas que por ali caminhavam. Eu estava mesmo do avesso, do contra, sem chão e sem céu. As primeiras pessoas que cruzaram meu caminho, duas mulheres idosas, lançaram um breve cumprimento matinal:


- Bom dia!


Eu respondi ao cumprimento por educação, mas minha vontade era de continuar mudo e cego, focado em meus problemas inexprimíveis. Sem interromper a marcha prossegui reflexivo, quando logo mais adiante um senhor também lançou seu cumprimento:


- Bom dia!


Respondi por impulso e continuei em frente com passos rápidos. Durante os quase cinco mil metros percorridos pela pista, cercada de uma mata exuberante, repleta de espécimes de animais nativos, tucanos, araras e capivaras, todas as pessoas que passaram por mim me desejaram “bom dia”, mas mesmo assim sentia o dia péssimo.


No final da caminhada, acho que melhor oxigenado pelo sangue que circulava fluentemente pelo meu corpo, uma voz interior interrogou-me:


- Sente-se só meu amado? Cumprimentei-o tantas vezes? Vi palavras saindo de sua boca, mas de sua alma nenhuma expressão.


Senti um calafrio nesse momento. Haveria algo ou alguém que era comum a tudo aquilo que me rodeava, um ser único e indivisível que estivesse em todas as pessoas ao mesmo tempo, unipresente, capaz de travar uma conversa comigo? Deus falou comigo? Não sei dizer se era o Deus da Vida ou meu lado divino, mas alguma coisa me tocou profundamente naquele dia.


Caminho nesse parque todos os dias, algumas pessoas me cumprimentam, mas nunca havia acontecido de todas as pessoas que encontrei terem me cumprimentado com um “bom dia”. Um sentimento de paz e acalento preencheu meu vazio. Afinal percebi que não estava só, apenas me sentia só. Renovado, como quem acabou de tomar um banho morno depois de um trabalho fatigante, gritei bem alto sobre as águas do lago do parque:


- Bom dia a tudo que me rodeia, a todos os que me cumprimentaram!


Voltei outras tantas vezes ao parque, mas nunca mais aconteceu aquilo, de todas as pessoas que cruzei me cumprimentarem. Mas não importa, eu sei que nunca estou sozinho. Daquele dia em diante, por onde passo, uso meu coração e minha boca para agradecer a vida, desejando a cada pessoa que encontro, um bom dia.

O MENINO QUE DESAFIOU A MORTE


O MENINO QUE DESAFIOU A MORTE
*por MMendes


- Vamos, vamos. Hora de ir para a cama.
- Ah mãe! Me deixa jogar um pouco mais de videogame. Eu tô no meio de uma batalha.
- Não senhor. É hora de ir para cama. Amanhã tem aula cedo. Desligue já esse videogame.
  Com cara de contrariado o menino desliga o videogame e corre para o quarto, enquanto sua mãe corre atrás, numa de brincadeira de mãe e filho. Às gargalhadas o menino se joga sobre a cama e a mãe lhe envolve em beijos e abraços. A mãe arruma a coberta sobre o filho, lhe dá um beijo de boa noite e apaga a luz. Antes de fechar a porta o menino lança uma pergunta, retendo a mãe mais um pouquinho:
- Mãe, por que você me pôs o nome de Guilherme?
A mãe dá meia volta e retira um velho livro de capa dura esverdeada do velho baú. Senta-se a beira da cama, acende o abajur do criado-mudo e inicia uma leitura ao filho de olhos brilhantes.
- Há muito tempo atrás, a Morte mandou um recado de invasão à aldeia de uns camponeses. Na aldeia só estavam os velhos e as crianças, os mais jovens estavam no campo trabalhando. Os aldeões ficaram apavorados. Como poderiam resistir à Morte e seu exército?
Apressaram trancar janelas e portas, na tentativa desesperada de que a Morte fosse embora. Os anciões reuniram-se amedrontados para discutir a situação, enquanto um menino escutava a conversa dos velhos:
- O que faremos se a morte chegar e quiser levar a todos? O que será de nós? Como poderemos resistir se somos apenas velhos cansados e crianças indefesas?
Vendo a aflição dos adultos, o menino correu para casa e pegou uma pesada espada que ficava guardada no quarto de seu pai. A espada era um bem de família, que pertenceu aos pais de seus pais. O menino quase não agüentou o peso da arma, mas corajosamente foi para o meio da aldeia esperar a Morte chegar.
Pela fresta da porta do casebre, seus avôs bradavam para que o menino voltasse a se esconder como os outros. Mas ele estava decidido enfrentar a poderosa adversária. Logo ouviu o bater dos cascos dos cavalos e o viu um poeirão vermelho que se levantava ao longe. A morte chegou montada num imponente cavalo negro, seguida de seus guerreiros.
Ainda sobre a cavalgadura, a morte riu-se ao ver o menino no meio da aldeia deserta.
- Vejam meus guerreiros. Teremos enfim uma grande batalha. Os covardes aldeões mandaram seu melhor guerreiro para nos enfrentar! Ironizava a morte.
O menino era inexperiente, mas inspirado pelas brincadeiras de lutas com os amigos, levantou a pesada espada e posicionou-se para a luta. Sem piedade a morte ordenou que seu guerreiro de nome Rondo, matasse o menino. O sanguinário desceu do cavalo armado de um sabre afiado. Lançou um golpe que decepou o braço direito da criança, que caiu ao chão. O guerreiro se aproximou e olhou dentro dos olhos do pequeno:
- Vou te esmagar seu verme. Atirou-se sobre a criança que naquele instante levantou sua espada com a mão esquerda, transpassando o coração do inimigo. Rondo grunhiu e caiu morto.
Mesmo sem um braço, o menino levantou-se segurando a espada e preparou-se novamente para o combate. Admirada, a Morte deu ordem para que seu melhor guerreiro atacasse a criança. Avançou Escanis, um brutamontes de um olho só, munido de um porrete de madeira. Num só golpe arrancou a perna direita do menino, que novamente caiu quase morto. O gigante guerreiro ergueu seu porrete para o golpe final, quando seus avôs acorreram se posicionando entre ele e o neto. Com um só movimento Escanis arremessou os velhos para longe. Isso deu tempo para que o menino retirasse um estilingue do bolso. Segurando a tacadeira com a boca, lançou uma pedra certeira no meio do olho do adversário. Completamente cego, Escanis cambaleou para trás caindo no precipício de um despenhadeiro.
A Morte ficou admirada da valentia do menino. Então, resolveu dar uma trégua aos moradores daquele lugar. Deu meia volta e bateu em retirada. Avisados da contenda, os pais do menino chegaram ao local, tomando o filho mutilado nos braços, praticamente morto. Lamentavam e abraçavam o corpo lavado por lágrimas.
Por milagre o menino abriu os olhos e reconheceu seus pais. A mãe, vendo o filho mutilado, arrancou seu próprio braço e o deu ao filho:
- Filho, você salvou a aldeia. Tome meu braço, que lhe será muito mais útil do que a mim.
Os pais vendo o filho mutilado arrancou sua própria perna e a deu ao filho:
- Filho, você é um herói de todo o povoado. Tome minha perna que lhe será muito mais útil do que a mim.
Recomposto o menino se ergueu. Todos o carregaram cantando louvores de felicidade. Erigiram uma grande estátua em sua homenagem e o batizaram de Guilherme, que significa protetor.
O menino ouviu atentamente a história sob o aconchego dos cobertores. A mãe arrematou fechando o livro:
- Esse velho livro está em nossa família há gerações, contando essa linda história de nossos antepassados. Essa é a razão de ter te chamado Guilherme.
- Filho, hoje trava suas batalhas no videogame. Quando chegar a hora dos reais desafios, não esqueça que conserva em seu sangue a coragem e valentia do menino que enfrentou a morte. Devemos combater tudo o que nos leva à morte.
- A vida vale a pena pela simples caminhada. Nunca se desespere em meio às sombrias aflições de sua vida, pois a água límpida e fecunda cai de negras nuvens. Não te preocupes com o combate, nem com a dor da luta, porque a verdadeira tragédia é quando os homens têm medo da luz. Lute sempre em favor da vida, munido da poderosa espada que é a simples vontade de viver.
Beijou a face do filho, que fechou os olhos e viajou corajosamente para a terra dos sonhos, seguro de que nada há para temer quando se quer viver.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

A MAGIA ESTÁ NO AR

A MAGIA ESTÁ NO AR






(*Por Guilherme Mendes)

Uma explosão emocionante de aplausos. A magia está no ar. Os artistas emprestam seus corpos para compor a mais bela emoção. Inesquescível: lágrimas, gritos, dança, amores; tudo de uma vez em um sentimento único, indefinível.... Mas logo a peça termina. As cortinas se fecham. A música se propaga e se perde no ar. Os aplausos cessam. A platéia se retira aos poucos. As luzes se apagam. Resta apenas eu em pé no escuro, sozinho. Os artistas e a platéia retomam as suas vidas, a magia fica na memória. E eu? Fico aguardando como se a qualquer momento as cortinas fossem se abrir, os artistas fossem voltar e a platéia sentar em seus lugares junto de toda a euforia e agitação. Mas não voltam. Cada peça é unica por si só. Os atos se iniciam, se desenvolvem e tem seu desfecho. O erro? confundir a vida com o teatro, fazer do palco o seu caminho e dos artistas a sua história. Se sentir saudades realmente for um erro, prefiro viver errando por amar a esse teatro, do que simplesmente virar as costas e retomar a vida. Pois a vida também é uma peça unica, com inicio, desenvolvimento e desfecho. E quando a minha peça acabar, não quero que a platéia simplesmente vire as costas e retome a vida, mas quero que o meu teatro seja incorporado no teatro de cada um que o presenciou. A magia não volta. Mas fica na lembrança, e das lembranças vive um homem.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Bailarina ao vento


BAILARINA AO VENTO

*MMendes


Escapas pelos vãos de meus dedos,

solta, livre como folha brincando,

bailarina, rodopiando ao vento.

Meus olhos de longe te seguem,

para nunca perdê-la de vista,

sempre preparado para acolher-te,

quando o redemoinho passar.

Nem notas o tempo fechado,

as rajadas e rumores da tempestade.

Brincas inconsequente de voar,

como corrias de mim quando pequena.

Meu coração desesperado para,

fitando teus arroubos de menina.

Sem palavras a vida segue em branco,

enquanto meu amor sofre silencioso.