segunda-feira, 11 de outubro de 2010

MENDIGOS DA VIDA


MENDIGOS DA VIDA

* Por MMendes

Num outro dia, passando por um acampamento de sem-terras indígenas, do outro lado da estrada vi umas crianças jogando futebol. Meninos e meninas brincavam correndo atrás da bola, num campo de terra improvisado. Quem poderia imaginar essa situação? Os índios que já foram os possuidores de todo o continente, hoje mendigam um pedaço de terra.

Distanciei-me um pouco daquele lugar. Mais a frente uma voz sussurrou em meu ouvido:

- Lembre-se das crianças! Pensei naquelas crianças kaiowas jogando futebol no campo de terra, correndo com os pés descalços.

- Lembre-se das crianças! Ouvi novamente. Pensei nas crianças que conhecia: os filhos do vizinho, meus sobrinhos e nos filhos de meus amigos.

- Lembre-se das crianças! O interlocutor utilizava a frase como mantra. Dessa vez mergulhei mais fundo. Lembrei que eu já fui uma criança e que todos os que vivem e já viveram são ou foram crianças um dia.

- Elas não querem ir para casa, porque estão brincando com o espírito que paira sobre as águas.

Nesse exato momento, uma imagem projetou-se sobre minha tela mental e vi uma névoa branca sobre um grande lago de águas densas e profundas. As crianças corriam ao redor do lago, gargalhando e atirando coisas na água. Estava anoitecendo e não queriam voltar para casa. As mães as chamavam insistentemente, mas as crianças não se importavam. Senti medo de que caísse a noite e elas não soubessem o caminho de volta. Então meu interlocutor continuou:

- A humanidade é como uma criança, ingênua, irresponsável, brincando com a vida. O lago é a origem e fonte da vida. O espírito que paira sobre as águas é a vida tão singular no universo. A voz da mãe clamando os filhos de volta é a natureza chamando o homem para que reconheça o planeta como sua casa. É preciso ouvir seus apelos, voltar para casa, crescer e tornar-se responsável. A noite se aproxima e ameaça toda a existência.

- Eu já lhe disse que vida é movimento (*leia o conto a vida é movimento). Você se recorda? Aquele estado mental me permitiu alcançar uma compreensão sobre a vida como nunca aconteceu antes. Eu vi a terra e as placas tectônicas movendo-se sobre o magma incandescente. Eu vi a terra viva! E a voz continuou:

- O planeta é um ser vivo. O espírito da vida habita seu interior desde a criação. Já se manifestou com muita força na consciência de muitos seres terrenos. Assim como não reconhecem a terra como um ser vivo, não reconhecem aqueles que recebem seu espírito. Assim como destroem a terra, também destruíram aqueles que encarnaram seu espírito. Quando matarem a terra, se tornarão mendigos da vida.

Dito isso, a voz se foi e minha consciência se recolheu novamente, voltando ao estado normal. Bem, já nem sei mais o que é real e nem o que é normal. Naquele estado de consciência expandida alcançamos conhecimentos extraordinários. Mas, afinal, aquela experiência havia sido verdadeira no plano da realidade? Para mim foi real e mudou minha maneira de ver a vida. Nós, habitantes da Terra que hoje produz vida com tanta abundância, haveríamos no futuro próximo de mendigar por água limpa, por florestas, pela sobrevivência?


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