CONFLITO DE GERAÇÕES
Por Guilherme Benvenuto Mendes
Cecília estava decidida. Iria à festa de Veneza, aonde todos os jovens da cidade se encontravam. Fazia bastante calor e as luzes do salão enchiam de cor a noite escura. Cecília colocou um salto bem alto, passou um batom vermelho, soltou os cabelos. Colocou um belo vestido roxo, sensual, apertado e com um decote arrepiante. Ela iria arrasar, se não fosse por um problema: ela já tinha mais de 60 anos.
Ao chegar na festa, endireitou a coluna, curvada pelos anos, caprichou no rebolado, verificou se a dentadura estava bem presa e entrou com toda a pompa. Com um olhar de lince, prejudicado pela catarata, caçou um grupo de jovens. Iria se enturmar e provar ainda ser jovem.
- E ai galera, “firmoze”? Festa “supimpa” heim?
Alguns jovens riram, outros acharam ridículo. Um rapaz resolveu dar uma lição na velhinha. Convidou-a para dançar. Era uma típica música de “funk”. Ele iniciou com todo o molejo. Cecília tentou copiar. Entre um requebrado e outro ela ora tirava a coluna do lugar, ora colocava-a de volta. Terminou sentada no chão. Atirou os saltos para longe por já não aguentar mais.
- Volta pro asilo vovó. Você é ridícula. Se liga!
Decepcionada consigo mesma, ela senta em uma mesa e pede ao garçom um copo de “vodka” para tomar junto com seu remédio para labirintite. Ela acaba por cochilar e é acordada por várias risadas. Amargurada olha para si mesma e se sente ridícula. Um senhor calvo, de terno colorido se aproxima dela:
- Ao que me parece entramos na mesma furada. Vamos resolver isso juntos? Aceita uma contradança?
Em meio ao som ensurdecedor, uma algazarra musical de estourar os tímpanos de um surdo, os jovens se esfregavam nas moças enquanto elas vulgarmente insinuavam suas formas femininas. Os dois ocupam o centro do salão e dançaram uma tradicional valsa. Ignoram o ritmo da música, as risadas e os comentários. Enquanto dançam, ele canta em seus ouvidos “que c´est triste venise”, “quando as pessoas não se amam mais”.
Satisfeitos consigo mesmos, passam a achar os jovens ridículos. Embriagados, em uma dança de puro erotismo, sem amor. Sentiram saudades da época em que haviam valores e o amor estava no ar. Saem do salão felizes por serem que são e por terem vivido em sua época.