sexta-feira, 24 de abril de 2009

A LUTA DE SAMUEL

*Por MMendes

A comunidade se preparava para a festa da Páscoa judaica. Samuel acordou muito cedo para preparar a banca na feira ao redor do Templo. Jardão, seu patrão, era um homem muito severo. Samuel necessitava do serviço para dar de sustento à família. Era um operário submisso, tinha medo de ser demitido. As estrelas ainda estavam no céu quando Samuel tomou um minguado quebra-torto, colocou parte da mercadoria sobre o lombo do burro e amarrou as cabras numa cordinha. Enquanto puxava o animal e as cabras, caminhava em silêncio passo a passo, com suas velhas sandálias de tiras de couro.

Ao chegar ao seu ponto junto ao Templo, fez a reverência de sempre e começou a arrumar a banca. Samuel vendia animais para o sacrifício judaico e ganhava uma miserável comissão pelas vendas. Trabalhava arduamente quinze horas por dia. Jardão exigia que gritasse o dia inteiro, oferecendo a mercadoria a um preço escorchante. Os judeus sentiam-se obrigados a fazer o sacrifício, temendo que Deus não perdoasse seus pecados e, com isso, fossem amaldiçoados. Por isso aceitavam pagar o preço absurdo exigido pelos vendilhões do Templo. No final do dia Samuel já não tinha mais voz, mas a canastra de Jardão estava abarrotada de moedas.

Era quatro da tarde e Samuel não tinha almoçado. Sem forças quase não parava em pé, quando Jardão começou a empurrá-lo aos insultos e constantes ameaças de demissão. Samuel caiu ao chão. Jardão armava-lhe um chute nos flancos, quando de repente, um homem chamado Jesus surgiu do nada, impediu o golpe e empurrou Jardão. Em seguida deu a mão direita a Samuel e disse:

- Levanta-se.- Sem que se apercebesse, naquele momento operava-se um dos milagres que não foram escritos na Bíblia. Jesus ressuscitava em Samuel a consciência de que era merecedor respeito, consciência essa, morta desde o momento em que abandou a luta por uma vida digna. O empregado acreditava que o maltrato do patrão era uma cláusula implícita do acordo de trabalho. Assim aceitava aquelas humilhações como prerrogativa do patrão. Mas, o milagre de Jesus iria revogar essa cláusula definitivamente.

Depois que Samuel estava em pé, Jesus e Jardão começaram a discutir. Jesus dizia:
- Você não tem compaixão desse empregado? Se continuar a explorar o povo e a tratar seus empregados como animais, você será condenado pela Justiça Divina. Seus bens serão expropriados e, então, blasfemará contra Deus.

Sem dar atenção às advertências, Jardão enfrentou o protetor de seu operário com uma chibata feita de cordas. Porém, Jesus foi mais hábil e tomou a arma de sua mão. Em seguida, açoitou Jardão, bem como outros patrões que a ele se aliaram e igualmente maltratavam os trabalhadores. Jesus gritava:

- Vocês converteram a casa de meu pai num covil de ladrões e exploradores.

Irado Jesus foi segurado por um amigo de nome Simão, que pedia que se acalmasse. Samuel ficou admirado como Jesus enfrentou seu patrão, exigindo tratamento digno aos trabalhadores. Depois disso, os amigos daquele valente homem o levaram para fora dos muros do Templo.
Samuel encorajou-se e daquele dia em diante passou a se reunir em segredo com um grupo de operários. Encorajavam-se mutuamente a enfrentar seus patrões exigindo condições dignas de trabalho, melhores salários e redução de jornada de trabalho. E assim decidiram fazer uma greve geral, às vésperas da Páscoa, quando o comércio era mais promissor.

Naquele grupo havia um espião de nome Josué. Numa quinta-feira antes da Páscoa, Josué foi ter com Jardão. Traiu Samuel em troca de dez moedas de ouro. Jardão se reuniu com os outros comerciantes e, a fim de desencorajarem os demais trabalhadores, decidiram armar uma cilada para Samuel. Seguindo o plano, Josué avisou um zelote que havia um grupo de inconfidentes, afirmando que Samuel queria com ele se reunir. Os zelotes eram um grupo de revolucionários que buscavam atentar contra o Império Romano. O zelote viu a oportunidade de montar um levante e aceitou o convite.

Quando compareceu disfarçado até a banca onde trabalhava Samuel, a milícia o apanhou e também prendeu Samuel. Ambos foram acusados de conspirar contra a economia local e contra os romanos. Foram presos, julgados no mesmo dia e condenados a crucificação. A execução da pena se deu no dia seguinte.

Quando Samuel já estava na cruz, percebeu que ao lado estava Jesus, o homem que o havia protegido contra Jardão. Nesse momento disse com sofreguidão:

- Senhor, é um homem justo. Com certeza, assim como eu, padece nessa cruz porque defendeu os humildes e lutou por um mundo melhor. Lembre-se de mim quando chegar minha hora.

Jesus respondeu-lhe:

- Samuel, eu te prometo. Ainda hoje você estará no paraíso comigo.

Apesar da agonia, Samuel sorriu. Aquele homem ao seu lado foi o único que teve a coragem de enfrentar seu patrão, o tratou com respeito e inspirou a lutar por sua dignidade. Parecia saber que, assim como o direito é fruto de uma dolorosa conquista, só ingressa no paraíso aquele defende seus ideais até a morte.

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