sábado, 18 de abril de 2009

COMEÇANDO O LIVRO PELO FIM

COMEÇANDO O LIVRO PELO FIM
Por MMendes

Anos atrás três amigos quarentões bem sucedidos se encontravam numa mesa de bar para a tradicional conversa de boteco. Depois de alguns chopps a mais perguntaram-se acerca do que fariam quando chegasse o dia da aposentadoria. Um afirmou que iria praticar ociosidade e curtir a vida com viagens, aproveitando o tempo que lhe restaria. Outro disse que mudaria radicalmente de profissão e recomeçaria tudo novamente. O terceiro amigo, que se chamava Giuliano Kepler, para espanto geral, afirmou com uma cara marota que sonhava em ser “lover boy”, um garoto de programa.
“Lover boy” depois dos 60 anos? Vai gastar toda a aposentadoria em medicamentos para impotência e estimulante sexual. Ironizaram os amigos, caindo na gargalhada.
Giuliano riu-se também, achando graça da idéia, embora la no fundo do coração alimentasse uma vontade reprimida de romper com a rotina de sua vida. Apesar de ser um profissional bem sucedido do alto escalão do governo, sua vida pessoal era um tanto conturbada. Acumulava um casamento desfeito, muitos namoros mal sucedidos e não tinha filhos. Era uma pessoa tímida e formal. Podia-se ver isso em seu vestuário, na maneira erudita de falar, no corte de cabelo e no comportamento convencional. Era uma personalidade rígida, totalmente incompatível com o que se espera de um garoto de programa.
Apesar de não ter o menor dom para a pretensa profissão, sem saber o por quê, Giuliano alimentava mesmo essa fantasia. Penso que na verdade, sentia-se infeliz e incompleto. Com tal transgressão buscava escapar da prisão emocional em que se meteu. Para isso era preciso romper com os muros que o cercavam. Era preciso uma revolução em sua forma de ser. Sua alma clamava por socorro:
Oh! Quem poderá me socorrer? Em sua fantasia, logo saltava à frente o herói dos heróis. Irreverente e extrovertido. Alguém capaz de dar um sentido à sua vida vazia, de preenchê-la de novidades e alegria. De arrancar aos gritos, o delirante amor da mulheres. O super “lover boy”.
O tempo passou e finalmente chegou o dia da aposentadoria. Parecendo seguir um ritual secreto, Giuliano foi até o shopping. Comprou umas roupas transadas. Ternos e gravatas nunca mais. Voltou para seu apartamento e foi até o guarda-roupas. Arrancou com força todas as roupas que lembravam o passado, embolou tudo com os vários sapados de cromo alemão, colocou tudo num saco preto e dali para a lixeira. Depois, voltou-se para o guarda-roupas quase vazio. Passou a dependurar as novíssimas peças que comprou no shopping. Um misterioso sorriso desenhava-se em seus lábios e um fulgor lampejava nos olhos. Seu closed seria, dali em diante, um espécie de batcaverna. Ali o misterioso personagem, que naquele instante incorporava, sairia a se esgueirar pelos motéis e pelas camas das moçoilas e senhoras, a procura de aventura, amor e sexo.
Pouco depois entrou na internet, acessou a página do maior jornal da cidade e plantou um anunciou:”- Prazer e sexo animal. Ligue para Super Lover Boy”, deixando para contato tão somente o número do novo celular que acabara de adquirir, nada mais. No fechar da tarde do dia seguinte, nada ainda. Nenhuma ligação. De tempos em tempos Giuliano olhava o celular para saber se não havia alguma chamada perdida. Estava ansioso.
De repente, seu celular tocou. Um frio percorreu sua espinha de cima para baixo, terminando numa leve pontada na região lombo-sacral. Seu coração disparou. Respirou fundo três vezes temendo um ataque cardíaco porque seu colesterol andava meio alto e a pressão arterial meio desajustada. Suas pernas ficaram tão bambas que chegou a sentir dor nos ossos do joelho. O tremor de suas mãos, lembrando mal de parkinson, quase não permitia que apertasse a tecla “accept” do celular. Esses sintomas se justificavam porque era um homem de 65 anos de idade, recém aposentado. Mas, afinal de contas, o futuro estava ali em suas mãos, pronto para entrar e mudar sua vida. Segurou firme e atendeu o celular dizendo:
“- Lover Boy pronto para o prazer, a sua disposição.”
Do outro lado da linha, uma voz sensual. Parecia mais o miado de uma gata no cio, sussurrando, pedindo sexo. Giuliano não conseguia se conter. Finalmente haveria de fugir dos muros da prisão em que se encontrava e a chave da porta do cárcere estava ali, do outro lado da linha. Aquela voz sensual, ainda sem nome, lhe deu um endereço e pediu urgência na entrega da mercadoria. Sem perder tempo, tomou banho, colocou uma daquelas roupas transadas, perfumou-se. Por causa do costume, penteou cuidadosamente o cabelo até que nenhum fio estivesse fora do lugar. Olhando-se no espelho viu seu passado refletido. Num ato de fúria descabelou-se apressadamente. Os cabelos foram assentados com as próprias mãos. Afinal, era um homem irreverente de agora em diante, nada de pentear cabelos. Ah! Evidentemente tomou aquele comprimidinho estimulante sexual para ajudar e garantir que não falharia na hora “H”.
Enquanto dirigia seu carro a caminho do encontro, Giuliano sonhava com a cliente de voz tão sensual:
Seria uma atendente de tele sexo? Que bobagem a minha. Pensou ele.
Deve ser uma gatinha toda queimadinha de sol, com aquelas marquinhas brancas de biquini. Ou seria uma loiraça de pele e pelos absolutamente alvos? Quem sabe uma morena quente e transada, cheia de curvas delirantes? Permitiu-se ir tão longe em pensamento, que quase sentia-se cansado só de pensar.
Do outro lado da cidade, num apartamento de classe média, uma mulher de quase 60 anos, ligeiramente pintada, vestia um babydoll preto. Fazendo conjunto, uma tanguinha tipo fio dental exibia umas plumas sobre o Monte de Vênus e as várias celulites de suas nádegas. Uma cinta liga apertava suas coxas brancas e flácidas, marcada de discretos vasinhos de varizes. Seu babydoll esvoaçante mostrava a barriga saliente. Era Cleideonora, a misteriosa cliente de Giuliano que se aprontava para o encontro. Ela também alimentava sonhos de encontrar um amante jovem para aplacar sua solidão. Em sua imaginação idealizava o Lover Boy um moço viçoso e sedutor. Dono de um corpo moreno latino, com tatuagem estampada no braço musculoso, cheio de amor para dar. Aquela era a primeira vez que contratava um garoto de programa. Seu marido havia falecido quando muito jovem. Desgostosa da vida, sem filhos, aquietou-se em seu apartamento até a velhice chegar. Naquele dia estava decidida a mudar de vida e recuperar o tempo perdido.
Chegada a hora marcada, toca a campainha do apartamento de Cleideonora. Apressou-se ansiosa em dar umas esborrifadas de perfume sobre a cama e correu para atender a porta:
Quem é? Perguntou ela.
Seu Lover Boy. Respondeu ele.
Parecendo ouvir um concerto de violinos, ajeitou o busto, fez uma pose sensual e com olhar matreiro abriu vagarosamente a porta. Giuliano e Cleideonora ficaram frente a frente. Foi uma decepção mútua, estampada no semblante dos dois amantes. Os violinos que Cleideonora ouvia tocaram notas desarmoniozas e dissonantes, soltas numa desafinada melodia, cujo som foi se apagando para dar lugar à indignação:
Você é o Super Lover Boy? Você está mais para velho bode do que para Lover Boy. Pode ir embora, estou cancelando o pedido.
Encarando definitivamente o personagem, Giuliano asseverou:
Desfeito o negócio? Não quero nem saber. Atendi seu chamado e fiz o deslocamento, exijo o pagamento integral, sua velha caloteira.
Assim começou uma discussão ali na porta do apartamento. Com medo da vizinhança, Cleideonora sussurra fazendo sinal para que o Lover Boy entrasse no apartamento. Queria a discussão longe dos ouvidos dos vizinhos. Uma vez lá dentro, lançaram ofensas reciprocas até que Cleideonora perdeu a razão e partiu para cima de Giuliano na tentativa de arranhá-lo. Ela sofria de labirintite e perdeu o equilíbrio. Caiu sobre a mesa lateral da sala derrubando o abajur, que espatifou-se no chão. Na tentativa de esquivar-se do arranhão, Giuliano tropeçou no tapete e caiu sobre o sofá que tombou. Lover Boy foi arremessado e saiu rolando pelo chão.
Cleideonora não conseguia manter-se em pé. Precisava de seu remédio da labirintite. Giuliano deu mal jeito na coluna e andava com dificuldade. A pedido de Cleideonora ,Giuliano foi até a cozinha pegar o remédio de labirintite e um copo d´água. Depois ajudou-a a sentar-se na poltrona do sofá. Enquanto isso Giuliano tomou um analgésico anti-inflamatório, depois que Cleideonora agradecida, lhe prescreveu o medicamento.
Enquanto se recuperavam daquela batalha, Cleideonora perguntou qual o motivo dele tornar-se um garoto de programa? Então ele contou sua triste história e disse que aquele era seu primeiro dia de trabalho nessa nova atividade. Do mesmo modo ele perguntou qual a razão dela seguir essa vida de desfrutes? Ela também contou sua história triste. Disse que aquela era a primeira vez que havia solicitado esse tipo de serviço.
Ficaram horas conversando, mal perceberam o tempo passar. Ambos descobriram que além de uma triste história, tinham muitas outras coisas em comum. Com isso se enamoraram. Deitaram-se na cama de casal e passaram a noite juntos, abraçadinhos, apenas olhando-se nos olhos, parecendo que um cuidava do outro. Dormiram embalados pelo silêncio eloqüente daquela noite inesquecível. Tanto se reconheceram um no outro que resolveram morar juntos.
Giuliano e Cleideonora descobriram que o amor desabrocha também na terceira idade. Na verdade não há idade nem para amar nem para recomeçar, pois cada dia que nasce é um novo recomeço e uma nova oportunidade para amar. Descobrir o amor na terceira idade é como ler um livro começando pelo fim, surpreendendo-se com o início da estória.

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