A CURA
Marco Mendes
Saiu o diagnóstico: Carcinoma! O silêncio calou fundo, o casal entreolhou-se e os olhos estavam mudos. O coração de Murilo esqueceu-se de pulsar e sua mulher levou as mãos ao rosto cobrindo o choro, que vazava pelos vãos dos dedos.
O médico em pé, afagou o ombro de Joelma procurando dar consolo:
- Tenham fé. Tudo vai dar certo ao final. O grupo histológico da doença é favorável. O prognóstico de cura é grande, mas a cirurgia é necessária, seguida da iodoterapia.
Foram para casa em silêncio, arrumando forças para dar a notícia à filha. Murilo ficou encarregado da notícia, pois Joelma não conseguia o necessário equilíbrio emocional. Chamou a filha no escritório da residência e seguindo seu estilo direto e franco disse:
- Filha, fomos conversar com o médico sobre os exames. A notícia não é muito boa. Você terá que passar por uma cirurgia...
Antes de terminar a frase, Miriam apavorou-se e começou a chorar.
- Eu não quero, eu não quero!
- Filha, é preciso. Isso pode se tornar um câncer! Você terá que tirar.
Murilo não teve coragem de dizer a verdade e preferiu contornar a situação e abrandar o problema. Abraçou a filha, afagou seus cabelos e beijou sua testa.
- Força filha, estamos juntos, todo mundo junto. O doutor disse para termos esperança, tudo vai dar certo.
A cirurgia tinha sido marcada para o dia seguinte. Logo pela manhã Joelma e Miriam apresentaram-se à portaria do hospital para fazer o "check in" e foram conduzidas ao quarto por uma das enfermeiras. A enfermeira pediu que Miriam se trocasse e vestisse um avental. Em seguida saiu deitada na maca para a sala de cirurgia que durou quatro horas, enquanto Joelma permaneceu fazendo suas orações no quarto. Murilo não conseguiu ficar ali, pois seu coração estava muito aflito. Então saiu para dar uma volta. Cada segundo parecia uma etermindade.
Pouco tempo depois do retorno de Murilo ao Hospital e encontrar Joelma, Miriam retorna da cirurgia desacordada com um corte e uma sonda no pescoço. O médico havia retirado a tireóide.
- A cirurgia foi um sucesso. Demorou um pouco pois tive que retirar tudo com cuidado para não perfurar a traquéia. Havia metástase e tive que remover alguns linfonodos. Essa noite ela passa no hospital, mas amanhã já poderá receber alta. Disse o médico com o semblante cansado e esgotado.
No dia seguinte Miriam teve alta e o médico prescreveu cuidados e uma dieta de privação de iodo. Miriam deveria ficar sem ingerir sal iodado por uns 30 dias até que pudesse fazer a iodoterapia.
Não foi fácil ficar sem o sal, pois tudo o que é vendido e comercializado leva sal de cozinha. Miriam passou privações, mas seguiu sua dieta até que agendaram a iodoterapia.
A iodoterapia foi realizada num quarto especial do hospital, todo revestido de chumbo e de acesso restrito. Murilo e Joelma entraram com Miriam. Quando o médico ministrou o iodo radioativo, o contador geiger disparou alertando os pais de que não poderiam permanecer mais no local.
Murilo e Joelma deixaram sua filha no quarto do hospital e só poderiam vê-la novamente quarenta e oito horas depois, tempo necessário para a descontaminação radioativa. Saíram dali com o coração aos pedaços, tomaram o carro em silêncio e foram parar em uma pequena capela.
Joelma ajoelhou-se, fechou os olhos para ver mais profundamente a luz. Murilo ao contrário, sentou-se numa cadeira, baixou a cabeça fechou os olhos lacrimejantes e sua oração era uma só:
- Meu Deus cure minha filha. Meu Deus cure minha filha.
Nesse momento sentiu algo sobre o joelho esquerdo. Ao abrir os olhos viu uma velha Bíblia marrom ali depositada por Joelma, que depois de levar a Bíblia, retomou a oração.
- Eu não quero ler a Bíblia, eu só quero chorar. Pensou Murilo.
Nesse instante uma voz falou à Murilo:
- Abra a Bíblia na página marcada. Ali tem um texto que escrevi para você antes mesmo de você nascer.
Murilo olhou para o livro e viu a fita que marcava uma página. Abriu a Bíblia e ali havia várias palavras grifadas com marcador de texto, mas o que chamou a atenção foi o título em negrito de um dos capítulos intitulado “A Cura”, evangelho de Mateus 9:27-31:
“Partindo Jesus dali, dois homens cegos o seguiram, clamando: “Filho de Davi, tem misericórdia de nós!” Entrando Ele em casa, aproximaram-se os cegos, e Jesus lhes perguntou: “Credes que Eu seja capaz de fazer isto?” E, responderam-lhe: “Sim, Senhor!” Então, lhes tocou os olhos, dizendo: “Seja-vos feito conforme a vossa fé”. E os olhos deles foram abertos. Jesus os advertiu, então, severamente: “Cuidai para que ninguém saiba disto”. Contudo, ao partirem, propagaram os feitos de Jesus por toda aquela região”.
Depois de ter lido o texto, a voz perguntou a Murilo:
- E você, acha que eu seja capaz de curar sua filha?
Murilo respondeu mentalmente:
- Sim Senhor!
- Então seja feita conforme tua vontade. Proclamou a voz.
Nesse momento, o coração de Murilo gelou:
- Será que eu tenho fé suficiente para curar minha filha?
A voz prosseguiu:
- Basta se tiver fé do tamanho de um grão de mostarda.
Depois disso a voz retirou-se. Murilo abriu os olhos sabendo que não poderia fraquejar na fé, pois a cura de sua filha dependia disso. Foi até Joelma e a despertou do estado de oração.
- Vamos embora meu amor, nossa filha está curada.
Joelma sorriu, levantou-se e foram embora. Dois dias depois foram buscar a filha no Hospital. Ainda ficou uma semana isolada em seu próprio quarto sem poder ir à escola, em virtude da carga de radioatividade contida no corpo.
A evolução da cura teria de ser acompanhada dali em diante. Mas, a fé de Murilo antecipava a notícia da cura , que se daria há quinze anos para o futuro.
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