quinta-feira, 28 de abril de 2011

O MENINO QUE DESAFIOU A MORTE


O MENINO QUE DESAFIOU A MORTE
*por MMendes


- Vamos, vamos. Hora de ir para a cama.
- Ah mãe! Me deixa jogar um pouco mais de videogame. Eu tô no meio de uma batalha.
- Não senhor. É hora de ir para cama. Amanhã tem aula cedo. Desligue já esse videogame.
  Com cara de contrariado o menino desliga o videogame e corre para o quarto, enquanto sua mãe corre atrás, numa de brincadeira de mãe e filho. Às gargalhadas o menino se joga sobre a cama e a mãe lhe envolve em beijos e abraços. A mãe arruma a coberta sobre o filho, lhe dá um beijo de boa noite e apaga a luz. Antes de fechar a porta o menino lança uma pergunta, retendo a mãe mais um pouquinho:
- Mãe, por que você me pôs o nome de Guilherme?
A mãe dá meia volta e retira um velho livro de capa dura esverdeada do velho baú. Senta-se a beira da cama, acende o abajur do criado-mudo e inicia uma leitura ao filho de olhos brilhantes.
- Há muito tempo atrás, a Morte mandou um recado de invasão à aldeia de uns camponeses. Na aldeia só estavam os velhos e as crianças, os mais jovens estavam no campo trabalhando. Os aldeões ficaram apavorados. Como poderiam resistir à Morte e seu exército?
Apressaram trancar janelas e portas, na tentativa desesperada de que a Morte fosse embora. Os anciões reuniram-se amedrontados para discutir a situação, enquanto um menino escutava a conversa dos velhos:
- O que faremos se a morte chegar e quiser levar a todos? O que será de nós? Como poderemos resistir se somos apenas velhos cansados e crianças indefesas?
Vendo a aflição dos adultos, o menino correu para casa e pegou uma pesada espada que ficava guardada no quarto de seu pai. A espada era um bem de família, que pertenceu aos pais de seus pais. O menino quase não agüentou o peso da arma, mas corajosamente foi para o meio da aldeia esperar a Morte chegar.
Pela fresta da porta do casebre, seus avôs bradavam para que o menino voltasse a se esconder como os outros. Mas ele estava decidido enfrentar a poderosa adversária. Logo ouviu o bater dos cascos dos cavalos e o viu um poeirão vermelho que se levantava ao longe. A morte chegou montada num imponente cavalo negro, seguida de seus guerreiros.
Ainda sobre a cavalgadura, a morte riu-se ao ver o menino no meio da aldeia deserta.
- Vejam meus guerreiros. Teremos enfim uma grande batalha. Os covardes aldeões mandaram seu melhor guerreiro para nos enfrentar! Ironizava a morte.
O menino era inexperiente, mas inspirado pelas brincadeiras de lutas com os amigos, levantou a pesada espada e posicionou-se para a luta. Sem piedade a morte ordenou que seu guerreiro de nome Rondo, matasse o menino. O sanguinário desceu do cavalo armado de um sabre afiado. Lançou um golpe que decepou o braço direito da criança, que caiu ao chão. O guerreiro se aproximou e olhou dentro dos olhos do pequeno:
- Vou te esmagar seu verme. Atirou-se sobre a criança que naquele instante levantou sua espada com a mão esquerda, transpassando o coração do inimigo. Rondo grunhiu e caiu morto.
Mesmo sem um braço, o menino levantou-se segurando a espada e preparou-se novamente para o combate. Admirada, a Morte deu ordem para que seu melhor guerreiro atacasse a criança. Avançou Escanis, um brutamontes de um olho só, munido de um porrete de madeira. Num só golpe arrancou a perna direita do menino, que novamente caiu quase morto. O gigante guerreiro ergueu seu porrete para o golpe final, quando seus avôs acorreram se posicionando entre ele e o neto. Com um só movimento Escanis arremessou os velhos para longe. Isso deu tempo para que o menino retirasse um estilingue do bolso. Segurando a tacadeira com a boca, lançou uma pedra certeira no meio do olho do adversário. Completamente cego, Escanis cambaleou para trás caindo no precipício de um despenhadeiro.
A Morte ficou admirada da valentia do menino. Então, resolveu dar uma trégua aos moradores daquele lugar. Deu meia volta e bateu em retirada. Avisados da contenda, os pais do menino chegaram ao local, tomando o filho mutilado nos braços, praticamente morto. Lamentavam e abraçavam o corpo lavado por lágrimas.
Por milagre o menino abriu os olhos e reconheceu seus pais. A mãe, vendo o filho mutilado, arrancou seu próprio braço e o deu ao filho:
- Filho, você salvou a aldeia. Tome meu braço, que lhe será muito mais útil do que a mim.
Os pais vendo o filho mutilado arrancou sua própria perna e a deu ao filho:
- Filho, você é um herói de todo o povoado. Tome minha perna que lhe será muito mais útil do que a mim.
Recomposto o menino se ergueu. Todos o carregaram cantando louvores de felicidade. Erigiram uma grande estátua em sua homenagem e o batizaram de Guilherme, que significa protetor.
O menino ouviu atentamente a história sob o aconchego dos cobertores. A mãe arrematou fechando o livro:
- Esse velho livro está em nossa família há gerações, contando essa linda história de nossos antepassados. Essa é a razão de ter te chamado Guilherme.
- Filho, hoje trava suas batalhas no videogame. Quando chegar a hora dos reais desafios, não esqueça que conserva em seu sangue a coragem e valentia do menino que enfrentou a morte. Devemos combater tudo o que nos leva à morte.
- A vida vale a pena pela simples caminhada. Nunca se desespere em meio às sombrias aflições de sua vida, pois a água límpida e fecunda cai de negras nuvens. Não te preocupes com o combate, nem com a dor da luta, porque a verdadeira tragédia é quando os homens têm medo da luz. Lute sempre em favor da vida, munido da poderosa espada que é a simples vontade de viver.
Beijou a face do filho, que fechou os olhos e viajou corajosamente para a terra dos sonhos, seguro de que nada há para temer quando se quer viver.

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