A CAIXA PRETA
* Por Marco Mendes
Minutos antes do início da sessão, os desembargadores foram até a salinha
para vestirem as respectivas togas. Conversavam sobre diversos assuntos até que
algo inusitado ocorreu:
- As togas sumiram! Gritou um desembargador.
- Como assim, as togas sumiram? Perguntou o outro.
- Sumiram mesmo! Desapareceram!
O sumiço das togas criou o maior burburinho entre os desembargadores, que
especulavam sobre o assunto. Até o operador da mesa de vídeo, que assistia tudo
da sala de controle pelo sinal da câmara de vigilância, instalada dentro da sala
das togas, tomou um susto com a gritaria e sem querer esbarrou na
xícara de café que caiu sobre o painel provocando um curto circuito.
- Terá sido furto?
- Um atentado contra o pleno!
- Um confisco do CNJ!
- Um ataque do Executivo! O início da guerra entre os poderes da
república!
- Excelências! Excelências! Vejam o que mandaram entregar aos senhores.
Disse o Secretário do Pleno adentrando à sala.
- Uma caixa preta? Quem enviou? Perguntou o Presidente do Tribunal.
- Não sei não Excelência. Só sei que mandaram entregar com urgência.
Afirmou.
- Que coisa sinistra! Recebemos uma caixa preta no exato momento do
sumiço das togas.
- Não toquem nessa coisa! Pode ser uma bomba! Gritou um dos membros
daquela corte.
- Chame a Polícia Federal! Chame a Polícia Federal! Gritou um outro.
O Secretário tomou o telefone e ligou para a Superintendência da Polícia
Federal. Comunicou o atentado à bomba e pediu urgência.
Em questão de minutos o esquadrão anti-bombas ingressou na sala. Os
desembargadores comentaram sobre o sumiço das togas e acerca do recebimento a
estranha caixa preta. Inteirado dos fatos o policial pediu que os
desembargadores se protegessem, pois iriam desarmar a bomba. Três correram para
fora da sala e observavam as atividades espiando da porta. Outros dois correram
para debaixo da mesa. Outro se escondeu atrás do armário de aço e outro deitou
no chão com as mãos na cabeça.
O esquadrão anti-bombas começou a operação com muito cuidado. Desatou os
nós do laço que envolvia a caixa e com muito cuidado retirou a tampa.
- Minha nossa! Gritou espantado o policial ao olhar para dentro da caixa.
- São apenas as togas de vossas excelências. Nada de bomba.
Constataram que as togas tinham sido mandadas à lavanderia por uma das
servidoras, que se esqueceu de avisá-los. Com atraso a lavanderia mandou as
togas diretamente para a sala no horário da sessão plenária.
- Bom, pedimos desculpas pelo mal entendido. Disse o Presidente do
Tribunal aos policiais.
- Não tem de quê, Excelências. Estamos sempre à disposição. Precisando é
só chamar. Depois disso o esquadrão e bombas retirou-se.
- Nossa! Que susto. Ainda bem que não passou de um mal entendido.
Concordaram os magistrados.
Ao tirarem as togas da caixa notaram um bilhete no fundo:”Desculpem a
demora na devolução das togas. Havia muitas manchas de difícil
remoção, nem todas puderam ser removidas totalmente. Encontramos algumas
cédulas de papel moeda no bolso de uma delas. Não sabemos a quem pertence,
por isso deixamos no fundo da caixa para que decidam a quem deva ser entregue.
Sugerimos que lavem as mãos antes de usar a toga, evitando que sejam manchadas
novamente. Atenciosamente, a lavanderia”. Nenhum dos desembargadores quis ficar
com o dinheiro, temendo que se pudessem lançar suspeitas sobre sua probidade.
Depois de deliberarem sobre o destino do dinheiro, resolveram deixá-lo dentro
da caixa e lacrar a tampa.
Quando foram colocar as togas tiveram outra surpresa. As togas haviam encolhido.
Não conseguiram vesti-las, tampouco abotoá-las. Em um ficou tão curta que mais
parecia uma mini saia. Um barrigudo parecia vestir uma bata, em outro ficou
como um corpete apertando as banhas.
- E agora? Como vamos entrar na sessão sem as togas? Indagaram perplexos.
- Excelências! Excelências! Não temam. Disse o Secretário do Pleno.
- O poder do magistrado não está na toga. A autoridade se conquistada
pelas virtudes da verdade, da humildade, sabedoria, serenidade e tolerância.
Advém da coragem para enfrentar o mal que todos os homens devem naturalmente
carregar consigo. O verdadeiro hábito que faz um magistrado é confeccionado com
fios da ética, entrelaçados com os fios do compromisso, cortada no molde da
responsabilidade e costurada pelas linhas da discrição. O valor do magistrado é
conquistado por sua conduta e não pela elegância estética da vestimenta
decorativa.
- Impossível entrar sem a toga. O regimento interno proíbe. Respondeu o
corregedor.
- Como nos mostrar assim sem essa vestimenta? A toga negra recobre nossa
fragilidade humana exaltando o poder do Estado. Sob ela assumimos a
imparcialidade necessária aos julgamentos. Sem a toga não seriamos respeitados!
Argumentou outro.
- Voto com o corregedor. Disse o mais novo deles.
- É melhor adiar a sessão. Sem toga, nada de julgamento.
O que não se sabia é que o curto circuito da mesa de controle havia
liberado o sinal de vídeo para todos os lugares do prédio. A câmera de vigilância da sala das togas
transmitia tudo para o telão do plenário, computadores e monitores internos.
Quando o secretário saiu da sala e foi anunciar o adiamento da sessão,
deparou-se com a platéia do plenário, advogados, interessados, estagiários,
estudantes, às gargalhadas... morrendo de rir. O secretário olhou para trás e
percebeu que o telão da sala plenária transmitia ao vivo tudo o que se passava
na sala onde estavam os desembargadores.
Os servidores viram tudo da tela de seus computadores, os faxineiros, o
público que andava pelos corredores, todo mundo assistiu a tudo pelos monitores
espalhados pelo prédio. Havia gente rolando no chão de tanto rir.
Os desembargadores estavam muito envergonhados. Decididamente não havia
“legitimidade social” para os julgamentos. Com isso foi anunciado o adiamento
da sessão. Não demorou muito para o vídeo ser postado na internet. No tempo de
apenas cinco minutos, o vídeo teve um milhão de acessos. Sintoma da Era Digital
onde não há segredos nem intimidade. “Toda verdade será revelada” disse o
profeta. Afinal, houve um resultado positivo em tudo isso. A conquista da tão
festejada transparência pública!