quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A caixa preta



A CAIXA PRETA

* Por Marco Mendes


Minutos antes do início da sessão, os desembargadores foram até a salinha para vestirem as respectivas togas. Conversavam sobre diversos assuntos até que algo inusitado ocorreu:
- As togas sumiram! Gritou um desembargador.
- Como assim, as togas sumiram? Perguntou o outro.
- Sumiram mesmo! Desapareceram!
O sumiço das togas criou o maior burburinho entre os desembargadores, que especulavam sobre o assunto. Até o operador da mesa de vídeo, que assistia tudo da sala de controle pelo sinal da câmara de vigilância, instalada dentro da sala das togas, tomou um susto com a gritaria e sem querer esbarrou na xícara de café que caiu sobre o painel provocando um curto circuito.
- Terá sido furto?
- Um atentado contra o pleno!
- Um confisco do CNJ!
- Um ataque do Executivo! O início da guerra entre os poderes da república!
- Excelências! Excelências! Vejam o que mandaram entregar aos senhores. Disse o Secretário do Pleno adentrando à sala.
- Uma caixa preta? Quem enviou? Perguntou o Presidente do Tribunal.
- Não sei não Excelência. Só sei que mandaram entregar com urgência. Afirmou.
- Que coisa sinistra! Recebemos uma caixa preta no exato momento do sumiço das togas.
- Não toquem nessa coisa! Pode ser uma bomba! Gritou um dos membros daquela corte.
- Chame a Polícia Federal! Chame a Polícia Federal! Gritou um outro.
O Secretário tomou o telefone e ligou para a Superintendência da Polícia Federal. Comunicou o atentado à bomba e pediu urgência.
Em questão de minutos o esquadrão anti-bombas ingressou na sala. Os desembargadores comentaram sobre o sumiço das togas e acerca do recebimento a estranha caixa preta. Inteirado dos fatos o policial pediu que os desembargadores se protegessem, pois iriam desarmar a bomba. Três correram para fora da sala e observavam as atividades espiando da porta. Outros dois correram para debaixo da mesa. Outro se escondeu atrás do armário de aço e outro deitou no chão com as mãos na cabeça.
O esquadrão anti-bombas começou a operação com muito cuidado. Desatou os nós do laço que envolvia a caixa e com muito cuidado retirou a tampa.
- Minha nossa! Gritou espantado o policial ao olhar para dentro da caixa.
- São apenas as togas de vossas excelências. Nada de bomba.
Constataram que as togas tinham sido mandadas à lavanderia por uma das servidoras, que se esqueceu de avisá-los. Com atraso a lavanderia mandou as togas diretamente para a sala no horário da sessão plenária.
- Bom, pedimos desculpas pelo mal entendido. Disse o Presidente do Tribunal aos policiais.
- Não tem de quê, Excelências. Estamos sempre à disposição. Precisando é só chamar. Depois disso o esquadrão e bombas retirou-se.
- Nossa! Que susto. Ainda bem que não passou de um mal entendido. Concordaram os magistrados.
Ao tirarem as togas da caixa notaram um bilhete no fundo:”Desculpem a demora na devolução das togas. Havia muitas manchas de difícil remoção, nem todas puderam ser removidas totalmente. Encontramos algumas cédulas de papel moeda no bolso de uma delas. Não sabemos a quem pertence, por isso deixamos no fundo da caixa para que decidam a quem deva ser entregue. Sugerimos que lavem as mãos antes de usar a toga, evitando que sejam manchadas novamente. Atenciosamente, a lavanderia”. Nenhum dos desembargadores quis ficar com o dinheiro, temendo que se pudessem lançar suspeitas sobre sua probidade. Depois de deliberarem sobre o destino do dinheiro, resolveram deixá-lo dentro da caixa e lacrar a tampa.
Quando foram colocar as togas tiveram outra surpresa. As togas haviam encolhido. Não conseguiram vesti-las, tampouco abotoá-las. Em um ficou tão curta que mais parecia uma mini saia. Um barrigudo parecia vestir uma bata, em outro ficou como um corpete apertando as banhas. 
- E agora? Como vamos entrar na sessão sem as togas? Indagaram perplexos.
- Excelências! Excelências! Não temam. Disse o Secretário do Pleno.
- O poder do magistrado não está na toga. A autoridade se conquistada pelas virtudes da verdade, da humildade, sabedoria, serenidade e tolerância. Advém da coragem para enfrentar o mal que todos os homens devem naturalmente carregar consigo. O verdadeiro hábito que faz um magistrado é confeccionado com fios da ética, entrelaçados com os fios do compromisso, cortada no molde da responsabilidade e costurada pelas linhas da discrição. O valor do magistrado é conquistado por sua conduta e não pela elegância estética da vestimenta decorativa.
- Impossível entrar sem a toga. O regimento interno proíbe. Respondeu o corregedor.
- Como nos mostrar assim sem essa vestimenta? A toga negra recobre nossa fragilidade humana exaltando o poder do Estado. Sob ela assumimos a imparcialidade necessária aos julgamentos. Sem a toga não seriamos respeitados! Argumentou outro.
- Voto com o corregedor. Disse o mais novo deles.
- É melhor adiar a sessão. Sem toga, nada de julgamento.
O que não se sabia é que o curto circuito da mesa de controle havia liberado o sinal de vídeo para todos os lugares do prédio.  A câmera de vigilância da sala das togas transmitia tudo para o telão do plenário, computadores e monitores internos.
Quando o secretário saiu da sala e foi anunciar o adiamento da sessão, deparou-se com a platéia do plenário, advogados, interessados, estagiários, estudantes, às gargalhadas... morrendo de rir. O secretário olhou para trás e percebeu que o telão da sala plenária transmitia ao vivo tudo o que se passava na sala onde estavam os desembargadores.
Os servidores viram tudo da tela de seus computadores, os faxineiros, o público que andava pelos corredores, todo mundo assistiu a tudo pelos monitores espalhados pelo prédio. Havia gente rolando no chão de tanto rir.
Os desembargadores estavam muito envergonhados. Decididamente não havia “legitimidade social” para os julgamentos. Com isso foi anunciado o adiamento da sessão. Não demorou muito para o vídeo ser postado na internet. No tempo de apenas cinco minutos, o vídeo teve um milhão de acessos. Sintoma da Era Digital onde não há segredos nem intimidade. “Toda verdade será revelada” disse o profeta. Afinal, houve um resultado positivo em tudo isso. A conquista da tão festejada transparência pública!